A cantora Adriana Calcanhoto em sua coluna no
jornal O Globo, publicou um relato-desabafo sobre sua relação com o Partido dos
Trabalhadores. De militante apaixonada, a cantora passou pelo desencanto,
abandonou o partido, e hoje afirma: "Serei alienada ou apolítica, que é
melhor para mim do que ser amoral". Aos militantes, ela manda o
recado: "eu sou vocês ontem".
Leia abaixo o texto de Adriana
Calcanhoto:
Aos 15 anos,
estudante secundarista em Porto Alegre, interessada especialmente nas causas
indígena e trabalhista, devorando qualquer texto dos irmãos Villas Boas ou de
Darcy Ribeiro que encontrasse pela frente, me apaixonei pelo movimento de
criação do Partido dos Trabalhadores. Era o ano de 1980, e eu vendia broches
que eram estrelinhas vermelhas com “PT” escrito em branco. Era o que podia
fazer como contribuição para a concretização do grande sonho, aquele trabalho
de formiguinha que o militante secundarista pode fazer, dando tudo de si. Usava
meu broche de estrelinha do lado esquerdo do peito, no duplo sentido. Tirava o
broche antes de chegar em casa para não ter que confrontar a família, de
direita, entre outras manobras anticonflito. Até que um dia nasceu finalmente o
PT, o inacreditável aconteceu. Grande privilégio do ponto de vista histórico
fazer parte daquilo. Meu herói era Olívio Dutra, e meu lema era “com o Olívio
onde o Olívio estiver”.
Quando um dos maiores tesouros do PT, a então senadora Marina Silva, deixou a legenda, eu já estava no Partido Verde. Agora não estou em lugar nenhum. Ou melhor, mudei-me para a desesperança. Serei alienada ou apolítica, que é melhor para mim do que ser amoral. Semana passada, juntando em caixas roupas, livros e coisas que não uso mais para doar, atirei num caixote de bugigangas aquela minha estrelinha vermelha do PT, o sonho acabou. Pode a militância entupir à vontade minha caixa postal com deselegâncias, eu sou vocês ontem. Hoje eu sou Charlie.
Gostava
do comunismo e gosto ainda hoje. Do lado bom, do lado utópico, do lado Ferreira
Gullar, do lado Oscar Niemeyer do comunismo. Li “O capital”, mas repudio
ditadores que não respeitam os direitos humanos. Revelou-se utópico, mas para
mim antes utopia que acomodação ou o trabalho escravo do qual o capitalismo com
tanta naturalidade lança mão.
Dada hora o PT trincou e acabou rachado. Começou a ter alas e facções demais e tornou-se, para meu gosto, excessivamente “partido”. Mesmo ligada à causa trabalhadora e filiada ao PT em Porto Alegre, sempre me senti mais ligada a quadros do que a agremiações. Já morando no Rio de Janeiro, fiz campanha voluntária à Presidência da República de Roberto Freire, pelo PCB, no primeiro turno nas eleições de 1989. Tinha 23 anos, liguei para o comitê e perguntei: “Posso ajudar?”. Seguia acreditando nas ideias do PT, votei em Lula no segundo turno e chorei dois dias de desgosto com a vitória de Fernando Collor. Passou o tempo, e o PT foi ficando cada vez mais dividido, pesado, paquidérmico, carregando alas divergentes que foram evidentemente minando a força interior do partido e sua chama. Tempos depois a ala radical do PT, de tão radical, chegou, por exemplo, a ser contra a candidatura pelo partido à Presidência da República de figuras migradas de outros partidos, caso da presidenta Dilma, oriunda do PDT. Não gosto de fanatismo. Fui deixando a cada dia de me sentir representada pelo PT. Não achei a escolha do cinismo boa opção. Não gostei de ver o Lula em palanques com Sarney e Paulo Maluf, que ele execrava nos mesmos palanques quando eles não estavam presentes, aquele PT não me representava mais.
O desmatamento aumentou. A nascente do Rio São Francisco secou. O governo não relaciona uma coisa à outra. O governo permanecerá no governo porque a cada eleição vai pagar carros com alto-falantes para circular pelas ruas das cidades mais pobres do Nordeste informando que a oposição, vencendo a eleição, vai acabar com o Bolsa Família. O povo tutelado, acuado. São inegáveis as boas coisas realizadas pelo PT, são transparentes, menos gente passa fome. Mas e essa confusão na Petrobras?
A Educação em cujo
país o lema do governo agora é “Pátria educadora” tem o responsável pela pasta
definido no balcão de loteamento de cargos, um deboche, uma ofensa à memória de
Paulo Freire e ao esforço das pessoas comprometidas com a educação no país,
considero inaceitável, mas e daí? Quem sou eu? Apenas uma cidadã, que paga
impostos, que é muitas vezes bitributada, que gera empregos, que para no sinal
vermelho, ou seja, uma otária, que acredita em princípios éticos. Se o governo
despreza a ética por que o povo seria ético? Mas eu não caio nessa. O chanceler
escolhido pela presidenta para assumir o posto em Washington, com habilidades
conhecidas para amenizar bilateralmente os ânimos, botar as coisas nos eixos e
ajudar a promover a visita da presidenta aos Estados Unidos em setembro, já
começa com um problema a resolver. O ministro foi empossado sem o aval dos EUA,
uma formalidade a ser cumprida, já descumprida pelo governo brasileiro na
largada, obrigando o primeiro ato do novo chanceler a ser uma quebra de
protocolo. As primeiras ações do novo governo contradizem em tudo o que foi
dito na campanha, a massa de manobra, massinha de modelar. Ai, cansa.Dada hora o PT trincou e acabou rachado. Começou a ter alas e facções demais e tornou-se, para meu gosto, excessivamente “partido”. Mesmo ligada à causa trabalhadora e filiada ao PT em Porto Alegre, sempre me senti mais ligada a quadros do que a agremiações. Já morando no Rio de Janeiro, fiz campanha voluntária à Presidência da República de Roberto Freire, pelo PCB, no primeiro turno nas eleições de 1989. Tinha 23 anos, liguei para o comitê e perguntei: “Posso ajudar?”. Seguia acreditando nas ideias do PT, votei em Lula no segundo turno e chorei dois dias de desgosto com a vitória de Fernando Collor. Passou o tempo, e o PT foi ficando cada vez mais dividido, pesado, paquidérmico, carregando alas divergentes que foram evidentemente minando a força interior do partido e sua chama. Tempos depois a ala radical do PT, de tão radical, chegou, por exemplo, a ser contra a candidatura pelo partido à Presidência da República de figuras migradas de outros partidos, caso da presidenta Dilma, oriunda do PDT. Não gosto de fanatismo. Fui deixando a cada dia de me sentir representada pelo PT. Não achei a escolha do cinismo boa opção. Não gostei de ver o Lula em palanques com Sarney e Paulo Maluf, que ele execrava nos mesmos palanques quando eles não estavam presentes, aquele PT não me representava mais.
O desmatamento aumentou. A nascente do Rio São Francisco secou. O governo não relaciona uma coisa à outra. O governo permanecerá no governo porque a cada eleição vai pagar carros com alto-falantes para circular pelas ruas das cidades mais pobres do Nordeste informando que a oposição, vencendo a eleição, vai acabar com o Bolsa Família. O povo tutelado, acuado. São inegáveis as boas coisas realizadas pelo PT, são transparentes, menos gente passa fome. Mas e essa confusão na Petrobras?
Quando um dos maiores tesouros do PT, a então senadora Marina Silva, deixou a legenda, eu já estava no Partido Verde. Agora não estou em lugar nenhum. Ou melhor, mudei-me para a desesperança. Serei alienada ou apolítica, que é melhor para mim do que ser amoral. Semana passada, juntando em caixas roupas, livros e coisas que não uso mais para doar, atirei num caixote de bugigangas aquela minha estrelinha vermelha do PT, o sonho acabou. Pode a militância entupir à vontade minha caixa postal com deselegâncias, eu sou vocês ontem. Hoje eu sou Charlie.
Texto extraído na integra do site da Folha Política.
Esta matéria me chamou a atenção porque sempre acompanhei a carreira da cantora, não apenas por qualidades musicais a qual admiro, mas por motivos do envolvimento político e a desilusão com os princípios a qual acreditava. Em outras palavras ela se sentiu traída e com consequências que não afetam apenas uma pessoa, mas um país.
As vezes me pergunto, até que ponto a politização é importante. Entendo da necessidade de se informar e não se deixar enganar, mas a cada dia que passa os interesses corporativos são maiores e as informações chegam cada vez mais corrompidas para os eleitores.
O Brasil não é o único pais que vive uma situação como esta, Portugal passa por problemas de gestão, acredito que em uma escala menor, mas é importante que os olhos permaneçam abertos.
Para finalizar, destaco uma frase da cantora a qual me chamou a atenção: "Serei alienada ou apolítica, que é
melhor para mim do que ser amoral".